quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Duplacidade

Pra estreiar o blog, vou postar o único conto que eu tenho pronto. Foi uma história maluca que eu fui improvisando no MSN com o Douglaseagle. A idéia básica é minha, mas o Doug organizou o texto e complementou para dar mais sentido, e eu depois dei uma relida e fiz a revisão final. Não deu muito ibope no blog dele, mas eu não tô nem aí, gostei da idéia de escrever contos!

O mesmo conto está na página dele, mas como eu também sou autor, não é plágio XD


Sou Ray, e o que aconteceu comigo não foi algo, digamos, trivial. Já faz um ano e meio que sai da casa dos meus pais, e arrumei um trampo em uma lanchonete, e ia me virando até bem por minha conta, apesar de não ter muito tempo sobrando, e quando tenho, tento estudar.

Moro em uma república de garotas, e por alguma razão me aceitaram sem nenhuma objeção. É sorte ou vai ver é que elas estavam desesperadas, querendo alguém que pudesse ajudar a pagar as contas o mais rápido possível. A gente respeitava muito a privacidade alheia. Na verdade eu mal via a cara delas, e a única garota de quem eu queria ficar perto era esta que vou lhes contar.

Fiquei conhecendo ela num site de relacionamentos. Num dia qualquer, eu vi seu perfil, e alguma coisa me fez adicionar esta pessoa, até então uma completa estranha. Mesmo assim ela não demorou a aceitar, e desde então, conversamos todo dia. Ela é cheia de fotos, acho que umas 400. Até tenho pena da câmera dela.

Apesar de ser uma garota que vivia com os pais em uma classe social relativamente alta, não ligava pro fato de eu trabalhar numa simples lanchonete. Pra falar a verdade, ela até falava que era bacana isso, que admirava essa atitude de querer viver independentemente, e que queria ter coragem de fazer o mesmo. Assim a gente se dava muito bem, nossas opiniões e gostos, eram praticamente os mesmos.

Me lembro de um dia em que assistimos um filme, cada um em sua casa, onde espíritos usavam aparelhos de rádio para mandar mensagens aos vivos. O filme não era grandes coisas, mas como o gênero nos agradava, assistimos até o final. Era como se a gente se conhecesse há anos. Eu percebia algo nesta garota, algo que não consigo descrever, algo puro, livre de interesses. Não chegava a ser uma obsessão, pra falar a verdade, nem sabia dizer se era uma atração. Só sei que era sempre a primeira pessoa em que eu conversava no messenger, e vice versa.

Eu odeio tirar fotos, fui obrigado a tirar uma e colocar no perfil por causa dela, só que a foto ficou meio obscura, nem dava pra ver a minha cara direito e eu fiquei de longe quando a foto foi tirada. Pelo menos ela disse que ficou engraçada. Eu era uma pessoa fechada, postava quase nada, não tinha muito interesse em redes sociais, a não ser passar o pouco tempo livre que tinha e minhas amizades “virtuais”.

Bom, aquele dia foi o meu encontro, que esperei faz um bom tempo. Muita gente acha que isso é errado, mas eu confio nela. Já faz muito tempo que conversamos, e, de certa forma, compartilhamos as nossas vidas. Marcamos um encontro na praça principal da cidade. Por mais que eu queria isso faz um bom tempo, acharia melhor escolher a hora certa.

Poxa, lá e ela nem apareceu, procurei por toda a praça e ainda por mais de cinco blocos! Fiquei xingando muito, que ela me deu o cano, que ficou pisando na bola e uns palavrões também. Foi uma decepção completa. Voltei pra casa depois de umas duas horas inteiras perdidas. Mas acho que ela me viu sim, deve ter me visto sem esse lance de obscuro. Deve ter me achado uma pessoa feia ou esquisita ao vivo. Que decepção, no fundo, era apenas mais uma pessoa fútil.

Em casa, vi que ela estava online no messenger mas resolvi falar nada, pra não esquentar mais a cabeça. Fiquei jogando um jogo aí com um amigo pra tentar esquecer até quando aparece que ela chega do nada falando:

- Não entendi você hoje, o que foi? Estava com raiva minha? Me achou feia pessoalmente? Você ficou lá só vendo o tempo passar, depois foi embora e nem falou nada! Parecia que só foi por obrigação.

Fiquei pensando como ela era esquisita, fica furando e depois vem puxar papo, com esse papo maluco, tentando me engambelar, e ainda vem reclamando.

- Você tá doida? Eu fui lá, fiquei te esperando e você nem apareceu! Nem pra ligar também.

- Você é muito sem vergonha, me despreza e ainda vem inventando mentira.

Além do desapontamento, comecei foi a ficar com raiva. Aí não nos falamos mais e nunca mais a vi no messenger.

Passou um tempo, fiquei já com saudades daquelas conversas, então resolvi dar uma olhada no perfil dela. Olhei suas fotos de sempre, e percebi que ela nunca tinha adicionado, ou postado nada novo em seu perfil, praticamente desde o tempo em que nós começamos a conversar. Até joguei o nome dela entre aspas no site de pesquisa, pra saber o que ela faz. Acabei achando uma notícia que ela havia desaparecido, mas o estranho é foi um tempo quando eu conversava com ela, e a última vez que era uma data após o desaparecimento...

Fui à polícia pra tentar ajudar, falar alguma coisa que pudesse ajudar na busca, sobre pelo menos como ela era e mostrar as fotos. Não adiantou muito, porque os policiais que procurei não pareciam muito interessados nisto, e eram muito preguiçosos e gordos. Deviam estar mais focados em alguma nova lei besta que algum político inútil criara para parecer que está trabalhando.

Enfim, parecia que o desaparecimento dela foi há 18 meses atrás, algo também estranho. Resolvi tentar procurar os pais dela, investiguei um pouco, e consegui entrar em contato e acabei indo ao endereço. Lá, enquanto tentava explicar o que tinha acontecido, os pais e o irmão dela ficaram me olhando como se estivessem me analisando, parecendo que nem estavam ligando muito com o que eu dizia. Me interromperam e disseram:

- Nossa, é você! Porquê demorou tanto a voltar? Como você está diferente! Nem acredito!

Começaram a chorar copiosamente. “Que família de malucos”. Pensei.

E me abraçaram e começaram a chorar. Fiquei pensando, deviam ser um bando de loucos que nem ela. 

Enquanto eu estava preparando pra sair, a mãe dela olhou pra mim e me chamou de Raisa, o nome da garota. Fiquei totalmente confuso. Ela disse:

- Olha, deixamos o seu quarto do jeito que estava, vamos tirar essas suas roupas estranhas e arrumar seu cabelo, vai ser a menina linda de sempre.

Epílogo
Na sessão com o psiquiatra que me acompanhava desde então, ele me disse que no fundo, eu me interessei por mim mesmo porque eu queria me reencontrar, por algum motivo, causando uma espécie de dupla personalidade...

Eu estive conversando com minha pessoa todo esse tempo, me procurando...

Confuso. Muito confuso. Mesmo.

Post original: http://douglaseagle.blogspot.com/2011/05/duplacidade.html

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