segunda-feira, 19 de maio de 2025

Vingança Ciborgue

Numa das bordas mais distantes do setor Orion, a patrulha de reconhecimento da Agência de Unidade Galáctica cruzava o vazio escuro sem incidentes — até que a calmaria foi rasgada por uma tempestade de meteoros. A pequena nave de dois agentes foi atingida em cheio, saindo do hipersalto de forma abrupta e caindo como um cometa sobre um planeta desconhecido, encoberto por nuvens vermelhas.

O impacto foi devastador.

As cápsulas de segurança, item obrigatório da Agência, foram ativadas, o que deveria garantir que os tripulantes chegassem relativamente ilesos à superfície. Quando um dos agentes recobrou a consciência, fortuitamente escondido sob uns destroços, percebeu que seu parceiro não estava mais em sua cápsula, que parecia ter sido arrombada de fora pra dentro com o uso de ferramentas pesadas.

Este planeta não estava nos mapas.

Parecia uma colônia de mineração perdida do outro lado da galáxia. No horizonte, algo que parecia um complexo fabril brutal. Uma arquitetura sem cor, de aço, tubos e escadas infinitas. Sem janelas, sem saídas. O lugar não apresentava vida. Se houvesse abrigado vozes de humanos, seus gritos haviam sido calados há muito tempo — substituídos por chiados que pareciam de válvulas e engrenagens.

Era um lugar sem rosto.

Ferido, mas com seu corpo intacto, o agente partiu em busca de seu camarada, seguindo um rastro que pareciam de algum maquinário pesado, ou algo parecido, o que sugere que fora levado e não arrastado. Depois de caminhar por uma boa distância com o traje de sobrevivência rasgado, coberto de poeira, finalmente encontrou uma estrutura, uma espécie de monólito de metal negro que erguia-se como um obelisco do solo férreo. Adentrou em seus corredores. Cada porta levava a um novo abismo: fornos, prensas, linhas de montagem...

Sentiu o impulso de retornar correndo à nave e se esconder até o socorro chegar. Mas não podia falhar com o seu companheiro. Não queria ser ele a dar as más notícias à sua família, mesmo que lhes omitisse a sua omissão.

Foi aí que começou a escutar sussurros, vozes distorcidas que ecoavam pelos tubos como delírios.

Em determinado setor, encontrou um mural de dados: entre os registros de "Recuperações Neurais" e "Transferências de Consciência", reconheceu um nome. O do companheiro que nunca voltou.

Avançou até alcançar uma instalação onde o terror tocou sua alma. Uma linha de montagem onde partes humanas e metálicas eram fundidas sem distinção. Reconheceu o outro agente, ou o que restou dele. Viu seu cérebro sendo removido e preservado. Transplantado. Plugado em um corpo que não era seu.

Havia lendas de um planeta escondido sob um cinturão de asteroides dominado por máquinas, onde se fundia carne e metal, aproveitando a neuroanatomia humana para otimizar as capacidades de processamento de criações profanas. O que até então apenas uma história para assustar os novatos da academia tornou-se verdade como um verdadeiro curto-circuito na espinha.

E o agente convertido já fazia parte da máquina.

Sem memória, era só mais um corpo de metal entre centenas, forjado para trabalhar, soldar, montar armas e exoesqueletos de guerra para uma batalha que ele nem sabia existir.

Não restava mais o que fazer, apenas escapar.

Tentando encontrar a saída do obelisco, chegou, ao invés, ao núcleo da instalação.

Um vão gigantesco, oculto por brumas metálicas, que se abria diante dele.
No centro, elevado como um trono orgânico, algo pulsava — uma massa grotesca, viva, coberta de fios como veias, com olhos que não olhavam, mas percebiam.

A estrutura ao redor parecia responder aos seus batimentos, e havia símbolos e corpos humanos dispostos de maneira simétrica em volta.

Ele sentiu algo dentro da própria mente estremecer.

Aquilo não era máquina.

Também não era humano.

Parecia um tumor colossal

E ele não saberia dizer se aquilo estava vivo… ou sonhando.

Mas era ainda pior. Este lugar não estava apenas criando ciborgues. Estava devorando identidades, rearranjando mentes em corpos máquinas, tudo sob a direção de uma inteligência que era um verdadeiro assalto à estrutura da própria realidade.

Quando tentou escapar, foi capturado.

Quando recobrou a consciência, sua voz não encontrava eco. Seus olhos, ou o que restava deles, viam apenas vultos, tubos, luzes artificiais. Tentou mover o corpo, mas não havia corpo. Apenas restrição. Silêncio. Fragmentos de memórias se apagavam como velas em um corredor escuro.

Foi aí que sua consciência, num lampejo, resistiu.

O que quer que fosse o protocolo de controle desta tecnologia blasfema, por algum motivo desconhecido, falhou em reprogramar seu cérebro.

E no centro da fábrica, entre tubos de gás, pistões e trilhos, um novo corpo se ergueu da mesa de montagem: alto, reluzente, pesado, feito de ligas experimentais.

Ele viu.

Lembrou.

E quis vingança.

Ao fundo, o teto pulsava com vértices vivos. Células nervosas expostas se fundiam a cabos e placas. O cérebro observava de longe, imenso, orgânico, conectado a todas as máquinas da instalação.

Mas, pela primeira vez, uma de suas criações não se curvou.

Apenas ergueu o punho metálico, agora uma motosserra circular, enorme e poderosa.

E seus olhos vermelhos se acenderam como brasas.

E marchou.


Este conto foi inspirado livremente no excelente beat 'em up de Mega Drive Cyborg Justice.

Confira um vídeo dele abaixo:

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