Padre Giuseppe chegou a São Paulo com o rosto curvado pela vergonha e os olhos ardendo de culpa — mas não arrependimento. Viera enviado de Roma não como missionário, mas como exílio. Seus superiores, fartos das confissões noturnas, dos sorrisos femininos nos bancos da paróquia e das crias clandestinas espalhadas pelas vilas da Toscana, resolveram afastá-lo discretamente.
Disseram-lhe que o Brasil era campo fértil para penitência. E para o silêncio.
A paróquia ficava no bairro do Bixiga, entre velhas casas italianas e becos que pareciam sussurrar. Lá, Giuseppe pregava com eloquência, falava do fogo do inferno com assustadora familiaridade, e passava os dias cumprindo ritos... enquanto os olhos, pecavam.
Mas nas madrugadas — sempre nas madrugadas — saía em trajes civis e descia por ruelas tortuosas até encontrar uma velha casa com janelas vermelhas. Não havia nome na fachada, apenas uma porta entreaberta que exalava cheiro de vinho barato, tabaco e luxúria.
A casa era um prostíbulo. Mas não qualquer um.
Lá dentro, entre espelhos embaçados e risos abafados, reinava uma mulher. Loira, pele alva, olhos de um azul impossível. Chamava-se Lucia. Sempre usava vermelho. Sempre sabia seu nome.
— Padre Giuseppe... — dizia ela, com a língua saboreando cada sílaba. — Veio procurar consolo... ou confissão?
Ele tentava resistir. Mas caía. Sempre caía.
As semanas passaram e Lucia tornou-se uma obsessão. Ele a via nos sonhos, nos vitrais da igreja, até nas imagens da Virgem. Sua fé apodrecia sob o peso do desejo, mas ele já não se importava mais. Sentia-se vivo — e condenado.
Ele tentava resistir. Mas caía. Sempre caía.
As semanas passaram e Lucia tornou-se uma obsessão. Ele a via nos sonhos e até nos lugares que retratavam o que há de mais puro. Sua fé apodrecia sob o peso do desejo, mas ele já não se importava mais. Sentia-se vivo — e condenado.
Certa noite, Lucia o chamou para um aposento no andar de cima. Um quarto sem janelas, iluminado apenas por velas negras. Sobre a cama de cetim, havia um cálice.
— Beba, padre. É meu sangue.
— Isso é um jogo? — perguntou ele, já embriagado de paixão.
— É um sacramento. Mas ao contrário.
Giuseppe estremeceu. Deu um passo para trás.
— Não, Lucia... Isto não é certo...
No espelho à sua frente, viu-se nu. Viu-se velho. Murcho. Os olhos ocos, a batina rasgada, os braços cobertos de marcas e hematomas. E atrás de si, viu Lucia. Mas ela não era mais bela.
Tinha chifres. Tinha garras. Tinha olhos de abismo que se multiplicavam sob a pele, como larvas acordando sob carne falsa.
— Quem é você? — sussurrou o padre, já tomado de pavor.
— Eu tenho muitos nomes, padre... — respondeu ela, com uma voz que parecia vir de dentro da terra
— Mas você me conhece como Lúcia. Lúcia Fernanda.
— Pra trás de mim, Satanás! — gritou Giuseppe, recuando em desespero.
O demônio riu.
Mas não foi uma risada humana — foi um som profundo, que parecia ecoar de dentro das paredes, como se a casa inteira respirasse e zombasse dele. As velas tremeram. O chão rangeu. O espelho se partiu com um estalo seco, como se também recusasse a mentira da aparência.
— "Pra trás?" — disse ela, aproximando-se com passos suaves. — Não, meu querido... Sempre estive do seu lado. A cada vez que você ouvia confissões indecentes de moças bonitas, a cada filho que você fez na Calábria, na Toscana... Eu estava lá. Agora você quer passar na minha frente?
Giuseppe caiu de joelhos, os olhos arregalados diante da forma mutante que se erguia diante dele. A bela Lúcia derretia como cera sob o calor de uma verdade ancestral: sua pele escorregava, revelando escamas, carne viva, olhos múltiplos que se abriam e fechavam nas curvas do rosto. O vermelho do vestido parecia ter sido tecido com sangue coagulado.
— Você não é real... — ele murmurou. — Você não pode ser...
— Eu sou o que você sempre quis — disse ela. — Uma mulher que nunca chora. Um ventre que nunca cobra. Um amor que nunca exige perdão.
Ela o abraçou.
O padre sentiu o calor do Inferno se infiltrar por seus poros. Mil vozes gritaram em seu ouvido, não de tormento, mas de êxtase: os gemidos do prostíbulo, os sussurros nas confissões, os risos abafados em corredores escuros.
Lúcia aproximou os lábios dos seus.
— Diga, padre. Diga com sua boca suja de hóstia: quem é seu Deus?
Giuseppe deu um salto para trás.
— É Jesus! Meu Deus é Jesus Cristo! — gritou, chorando, tropeçando em sua própria nudez.
Saiu correndo pelos corredores do prostíbulo, que agora pareciam vivos, úmidos, como o interior de uma besta. Mãos saíam das paredes, tentando puxá-lo para dentro de alcovas onde outras figuras o esperavam, rindo com dentes pontiagudos.
Finalmente, arfando, atravessou a porta da frente e caiu na calçada fria do Bixiga. Estava nu, suado, coberto de arranhões. Mas vivo.
A partir daquele dia, Padre Giuseppe nunca mais lançou um olhar pecaminoso a uma fiel. Celebrava a missa com os olhos baixos, jejuava compulsivamente e dormia em um catre duro como pedra. Evitava ruas, espelhos, mulheres loiras.
Anos se passaram. A culpa se transformou em disciplina. O medo, em prece.
Mas, certa tarde, enquanto caminhava distraído pelas ruas do bairro, viu-se diante daquela mesma casa. A pintura descascada. As janelas vermelhas.
Parou. O coração disparou.
Um bode preto, enorme, cruzou seu caminho calmamente, balindo em direção à entrada.
A porta se abriu.
Lucia apareceu. Linda. Provocante. Intocada pelo tempo. Usava vermelho. E sorria.
Acenou para ele, com dedos longos demais.
E então, sumiu na escuridão da casa.
Este conto foi escrito por Pão Duro TV
Confira um vídeo dele abaixo:
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