terça-feira, 29 de abril de 2025

O Bode de Mendes

O garoto segurava firme a mão do pai enquanto desciam pela garganta da caverna. A entrada mal se distinguia na encosta rochosa, coberta por musgos e raízes, como uma boca que preferia ficar fechada. O pai sorria, com aquele brilho nos olhos de quem conhecia um segredo.

— Não tenha medo, Tomás — disse ele. — Lá dentro tem só silêncio e pedra. É um lugar seguro.

A lanterna emitia uma bruxuleante luz amarelo-quente. A caverna parecia respirar em silêncio. A cada passo, a escuridão os engolia mais.

Em algum ponto, entre uma bifurcação e outra, o menino percebeu que estava sozinho.

Chamou pelo pai. Uma vez. De novo, e de novo. Já estava rouco, e seu peito apertava, enquanto as lágrimas escorriam, quentes, pelo rosto infantil. Sem resposta.

Correu de volta, ou adiante — era difícil saber. Os corredores de pedra pareciam girar em torno dele, como se a caverna estivesse se movendo enquanto ele tinha pesadelos de olhos abertos.

Cansado, ele parou. Os pés doíam. O peito ardia. Sentou-se em um canto onde a pedra era quente como uma cama. Ali fechou os olhos, embalado pela escuridão.

Quando despertou, tudo parecia mais silencioso. Mas, ao longe, soavam tambores.
Baixos. Constantes. Orgânicos.

Tomás levantou-se, o corpo leve como nunca — como se tivesse dormido uma longa noite de sono. Mas sentia fome. Fome de carne.

Seguiu o som com passos flutuantes, atravessando túneis que pareciam ter sido escavados por vozes.
A música aumentava.

Finalmente, encontrou a luz: uma fogueira ardia num salão imenso, cujo teto sumia na escuridão. Em volta dela, duas figuras dançavam — esqueletos vestidos de trapos, movimentando-se com uma alegria inquietante. Um batia palmas secas; o outro pisava o chão em ritmo tribal.

Num tosco trono de pedra, um bode preto os observava, dando sinistras gargalhadas.
Tomás olhou, fascinado.

Sentiu uma estranha familiaridade.
E então, viu algo — um reflexo, uma sombra.

Ergueu a mão.

O osso branco cintilava à luz do fogo.

Não havia carne ali. Não havia carne nele.

Sentiu um aperto no coração — ou onde ele deveria estar. E, de súbito, como se uma pedra desmoronasse dentro da mente, ele lembrou:

A entrada da caverna. O som da tocha. A voz do pai dizendo: “é um lugar seguro.”
Lembrou da última vez que vira o sol. Lembrou que havia sido há muito tempo.
Quase tanto tempo que era difícil de se recordar.

Fez força para buscar em sua memória desde quando — e uma data surgiu em sua mente:
Desde 1779.


Este conto foi escrito por Pão Duro TV

Confira um vídeo dele abaixo:

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