segunda-feira, 26 de maio de 2025

Colapso Experimental

Tudo começou com um relatório de erro.

O doutor Emil Hartmann — não confundir com o homônimo da psiquiatria clássica — era um cientista de nível intermediário nos laboratórios de pesquisa da Mobius, mais especificamente em um subnível associado ao projeto STEM. Oficialmente, seu setor cuidava de estabilizações neurais de base, ajustes em memórias residuais e observações de padrões psicogênicos.

Nunca houvera nada fora do comum...até aquele erro.

Um log vindo do repositório Beacon-07, setor desativado. Um pulso de atividade mental com assinatura de sincronização desconhecida. O que parecia um eco de conexão com características peculiares desapareceu tão rápido quando surgiu, como se tivesse sido automaticamente suprimido pelo sistema.

Hartmann não deveria seguir com isso. Mas seguiu.

Nas semanas seguintes, começou a investigar o ocorrido. Acreditava que deveria ser algo importante, alguma descoberta que, se explorada, poderia impulsionar sua carreira.

Logo sua ambição se tornou obsessão. Sua rotina se tornou mais errática. Começou a desenvolver a soberba de quem acredita poder ver mais longe que seus pares, além de tiques nervosos. Seus colegas o evitavam. Fazia plantões voluntários, passava horas em frente aos bancos de memória, analisando padrões de ondas cerebrais que se embaralhavam com sua própria atividade.

Começou a ter sonhos recorrentes que traziam arrependimentos do seu passado de forma vívida. Era uma torrente de ressentimentos que sumiam assim que acordava. Muitas vezes tinha pesadelos com pessoas que teria ludibriado, atraído, enganado, usado e maltratado, mas estas não eram recordações suas. Não conhecia essas pessoas. Mas eram sempre as mesmas.

A princípio, descartava essas péssimas experiências como fruto de estresse ou burnout. Pensava em tirar férias depois de sistematizar sua grande descoberto. Era o que ainda lhe dava esperança.

Até que um certo dia começou a ouvir sons.

Acordado.

Primeiro, estalos no interfone. Depois, risadas distantes. Nomes sussurrados. E então...o espelho.

Era apenas um vidro de segurança comum. Mas toda vez que se olhava, via o reflexo de outra pessoa. Um homem pálido, queimado, com os olhos fundos. Um jaleco igual ao seu, mas antigo. Os sensores registravam picos de ansiedade, mas nenhum outro sistema percebia o que via.

E as paredes...

As paredes começaram a viver. Tecidos orgânicos entre os painéis, olhos crescendo onde antes havia conexões ópticas. Portas se fundindo a veias. Um corredor o levou a um andar que não constava em nenhum mapa.

Lá dentro, se deparou com arquivos marcados como R. Victoriano, nome que não reconhecia, mas que ecoava em sua alma. As gravações estavam corrompidas, mas mostravam lampejos de um hospital — Beacon — em colapso, com figuras distorcidas e um investigador perdido em labirintos mentais.

Hartmann começou a sonhar com esse homem. Via seu rosto. Sabia que se chamava Castellanos.

As alucinações pioraram. Passou a interagir com pessoas que desapareciam em seguida. O som de um metrô abandonado atravessava os dutos. Um telefone tocava sempre às 3h33 da manhã, mas ninguém respondia. Via crianças. Via fogo. E sempre, sempre o espelho.

No desespero, invadiu as instalações de madrugada, determinado a por um fim nesta situação de qualquer maneira.

Quando os seguranças o encontraram, Hartmann estava em um andar selado. O local, segundo os registros, havia sido desativado após um "colapso experimental". O que viram foi um homem parado, impassível, encarando seu reflexo rachado. Atrás dele, cabos do STEM se arrastavam como serpentes, conectando-se à sua base craniana.

Seu corpo ainda estava ali.

Dentro do sistema, algo novo começava a sussurrar.


Este conto foi inspirado livremente no survival horror da Tango Gameworks The Evil Within.

Confira uma análise dele a seguir:

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