segunda-feira, 5 de maio de 2025

O Boneco de Sal

Numa vila esquecida entre morros e pastos secos, o verão era marcado por um estranho festival: o Enterro do Boneco de Sal.

Todo ano, no solstício, os moradores se reuniam na praça principal, colocavam um boneco humanoide feito inteiramente de sal grosso dentro de um buraco raso, e sussurravam preces esquisitas, como:

— Que não volte... que não volte...

Lucas era da cidade grande. Visitava os avós naquele ano, meio entediado com a vida rural e muito curioso com as esquisitices locais. Quando viu o tal boneco ser enterrado sob aplausos nervosos, achou tudo ridículo.

— Sério que vocês acham que um boneco feito de sal vai "voltar"? — zombou para um grupo de meninos locais.

Ninguém respondeu. Só olharam para ele com um silêncio quase respeitoso... ou assustado.

Naquela mesma madrugada, quando todos dormiam, Lucas pegou uma pá e foi até a praça. Desenterrou o boneco com facilidade. Era apenas um boneco — sem rosto, sem olhos, sem expressão. Apenas um torso, braços e pernas duros, salgados, e frios como pedra.

— Vai voltar, é? — disse Lucas, rindo. — Pois boa sorte.

Jogou o boneco fora, dentro de um velho poço seco nos fundos da vila.

Voltou para casa satisfeito, como quem vence uma partida de videogame.
Mas naquela noite, o sono não foi tranquilo.

Sonhou com um campo de sal, branco até o horizonte. E no meio do nada, ele, de pé e sozinho, o ar era denso, salgado, impossível de respirar, quase como se o secasse por dentro.

Lá longe, um som de cascos.

Do nevoeiro, surgiu um bode preto enorme, de olhos amarelados e retorcidos. Caminhava lentamente, e de sua boca pingava algo que não era baba — era água. Água escura. Água que derretia o chão de sal por onde passava.

Lucas tentou correr, mas os pés estavam presos. Quando olhou para baixo, percebeu: suas pernas eram feitas de sal.
Estavam rachando. Estavam derretendo.

O bode chegou perto, muito perto. E falou, com uma voz que parecia vir de dentro do crânio dele:

— Você me tirou do poço. Agora... é sua vez.

Lucas acordou aos gritos, suado, com os lençóis molhados e cheios de grãos de sal.

Na manhã seguinte, foi até o poço. Não havia mais nada lá dentro.

Mas desde aquele dia, ele passou a ver coisas. O reflexo do boneco em janelas, pequenas pegadas de casco nas poças da calçada, e — pior de tudo — o bode preto, observando de algum lugar. Sempre imóvel. Sempre perto demais.

Lucas voltou para a cidade, mas ninguém sabe, até hoje, se quem voltou foi o mesmo Lucas que foi para a aldeia.


Este conto foi escrito por Pão Duro TV

Confira um vídeo dele abaixo:

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