segunda-feira, 26 de maio de 2025

Colapso Experimental

Tudo começou com um relatório de erro.

O doutor Emil Hartmann — não confundir com o homônimo da psiquiatria clássica — era um cientista de nível intermediário nos laboratórios de pesquisa da Mobius, mais especificamente em um subnível associado ao projeto STEM. Oficialmente, seu setor cuidava de estabilizações neurais de base, ajustes em memórias residuais e observações de padrões psicogênicos.

Nunca houvera nada fora do comum...até aquele erro.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Vingança Ciborgue

Numa das bordas mais distantes do setor Orion, a patrulha de reconhecimento da Agência de Unidade Galáctica cruzava o vazio escuro sem incidentes — até que a calmaria foi rasgada por uma tempestade de meteoros. A pequena nave de dois agentes foi atingida em cheio, saindo do hipersalto de forma abrupta e caindo como um cometa sobre um planeta desconhecido, encoberto por nuvens vermelhas.

O impacto foi devastador.

As cápsulas de segurança, item obrigatório da Agência, foram ativadas, o que deveria garantir que os tripulantes chegassem relativamente ilesos à superfície. Quando um dos agentes recobrou a consciência, fortuitamente escondido sob uns destroços, percebeu que seu parceiro não estava mais em sua cápsula, que parecia ter sido arrombada de fora pra dentro com o uso de ferramentas pesadas.

Este planeta não estava nos mapas.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

A Câmara Real do Edifício Demoníaco

Nunca diga que ele fazia isso por fama.
Pelo menos, não por fama.

Seu nome de batismo ninguém mais lembra. Nas redes, era conhecido como Vibração Consciente, com quase 300 mil seguidores em plataformas como TikTok, YouTube e Instagram, um daqueles tipos que falava sorrindo sobre “transmutar energias”, “abrir chakras com frequência de 528 Hz” e “levar luz aos lugares esquecidos”.

Foi com essa proposta que anunciou, numa manhã nublada de julho:

— Meus amores, hoje eu vou fazer algo que poucos têm coragem. Vou entrar no Edifício Anhangabaú. E sim, sozinho. À noite. E vou tentar ajudar quem ainda não conseguiu seguir a luz…

A câmera tremia na mão dele, mas o sorriso era firme. No peito, colares de quartzo rosa. No bolso, um cristal ametista. Na cabeça, uma convicção: ele realmente achava que podia ajudar.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

O Quinto Arcano

Lucas estava decidido a escrever um livro. Não um romance qualquer, nem um desses panfletos de autoajuda que se empilham em livrarias de aeroporto. Ele queria algo maior. Um tratado. Um manifesto. Um documento que mudasse a forma como as pessoas viam o mundo — mesmo que ninguém o lesse.

Mas ele sabia que não conseguiria sozinho. Precisava de orientação, de uma figura com autoridade. Alguém como Hélio Dravon, um pensador recluso, outrora acadêmico brilhante, que havia desaparecido dos círculos intelectuais há anos, após lançar sua obra mais polêmica: As Raízes do Vazio.

O livro era uma mistura de filosofia esotérica, tradicionalismo radical e misticismo pessimista. Um tipo de Dugin tropical, cruzado com Schopenhauer e astrologia védica. Lucas o devorou em três dias. Precisava entrar em contato.

Encontrou, num blog obscuro, um número de telefone. Ligou, meio cético.

sábado, 10 de maio de 2025

O Atacadão das Almas

Thiago já estava desempregado havia tempo. Com a crise que se estabeleceu no Brasil de forma quase perpétua, havia mais de um ano que ele não trabalhava. Ele fazia seus "bicos" e dava seus "pulos", mas a situação estava apertada, e ele precisava saber que teria um provento.

Foi aí que resolveu se candidatar a uma vaga de emprego na empresa que mais contratava na cidade, uma grande rede de atacado e varejo: o **Mercado Cruz das Almas**. Logo foi chamado para uma entrevista.

Chegou no dia da entrevista e logo foi conduzido a uma sala minimalista. O entrevistador, um homem de meia-idade com óculos de aro grosso e um cavanhaque muito preto, o senhor **Abolos**, estava sentado atrás de uma mesa de vidro transparente, que mais parecia uma peça de decoração do que um objeto funcional. Ele lhe sorriu de maneira cordial, mas com um olhar que Thiago não conseguia decifrar.

— Bom dia, Thiago. Antes de começarmos, você está ciente da nossa filosofia de empresa, não? O Mercados Cruz das Almas acredita em um mundo em que todas as vozes são ouvidas e que a equidade e a inclusão devem ser centrais para todas as nossas ações.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A Semente da Esfinge

Não havia televisão. Nem geladeira. Nem tempo fácil. Apenas o frio cortante e o estômago vazio. Era disso que Caim se lembrava quando pensava na infância — da fome que apertava, mas nunca paralisava, e do gosto amargo do pão escuro que sua mãe fazia às sextas-feiras.

Ele nasceu entre ciganos vindos da Romênia, que abandonaram a Europa em 1933, pressentindo o horror que se aproximava. Chegaram ao Brasil a bordo de um navio cargueiro, desembarcando nas docas do Rio de Janeiro sem saber onde dormir ou comer. Foram guiados por uma velha quase cega, de dentes negros e português truncado, até uma enseada azulada, perto do manguezal em Ramos. Ali se estabeleceram — terra e pântano, fé e segredo.

Na superfície, eram humildes e trabalhadores. Caim tornou-se sapateiro, como o pai. Mas por trás da lona de suas tendas, à luz tênue de velas pretas, rendiam culto à Esfinge, entidade ancestral com corpo de cabra e olhos que sabiam o futuro.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

O Boneco de Sal

Numa vila esquecida entre morros e pastos secos, o verão era marcado por um estranho festival: o Enterro do Boneco de Sal.

Todo ano, no solstício, os moradores se reuniam na praça principal, colocavam um boneco humanoide feito inteiramente de sal grosso dentro de um buraco raso, e sussurravam preces esquisitas, como:

— Que não volte... que não volte...

Lucas era da cidade grande. Visitava os avós naquele ano, meio entediado com a vida rural e muito curioso com as esquisitices locais. Quando viu o tal boneco ser enterrado sob aplausos nervosos, achou tudo ridículo.

— Sério que vocês acham que um boneco feito de sal vai "voltar"? — zombou para um grupo de meninos locais.

sábado, 3 de maio de 2025

A Casa da Luz Profana

A Casa da Luz Profana

Padre Giuseppe chegou a São Paulo com o rosto curvado pela vergonha e os olhos ardendo de culpa — mas não arrependimento. Viera enviado de Roma não como missionário, mas como exílio. Seus superiores, fartos das confissões noturnas, dos sorrisos femininos nos bancos da paróquia e das crias clandestinas espalhadas pelas vilas da Toscana, resolveram afastá-lo discretamente.

Disseram-lhe que o Brasil era campo fértil para penitência. E para o silêncio.

A paróquia ficava no bairro do Bixiga, entre velhas casas italianas e becos que pareciam sussurrar. Lá, Giuseppe pregava com eloquência, falava do fogo do inferno com assustadora familiaridade, e passava os dias cumprindo ritos... enquanto os olhos, pecavam.

Mas nas madrugadas — sempre nas madrugadas — saía em trajes civis e descia por ruelas tortuosas até encontrar uma velha casa com janelas vermelhas. Não havia nome na fachada, apenas uma porta entreaberta que exalava cheiro de vinho barato, tabaco e luxúria.

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